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Quando a Bola Para de Rolar


VitorSouza

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Ainda faltam mais de três meses para o fim do ano, mas a maior parte dos jogadores profissionais que atuaram por clubes do Rio de Janeiro em 2017 já estão desempregados. Com o encerramento da temporada para muitos times da primeira, segunda e terceira divisões, o futebol deixou de ser realidade para muitos atletas. Num país em crise, estes futebolistas engrossam a fila de 13 milhões de desempregados no Brasil de 2017. A rotina e o desgaste físico cotidianos contrastam, muitas vezes, com a falta de rentabilidade da profissão, com salários baixos, atrasados ou as famigeradas "ajudas de custo", dadas pelos clubes que passam pelas maiores dificuldades. Uma queda das nuvens para quem se ilude com a vida milionária de poucos craques no futebol brasileiro.
 
Quando o ano de 2016 estava para terminar, 21.743 jogadores tinham contratos profissionais assinados no Brasil. Quando o ano virou, o número caiu para quase um terço (8.938). A realidade nacional se repete no Estado do Rio, e na atual temporada. Com nada menos que 35 clubes atuando por, no máximo quatro meses no ano, é fácil imaginar quantas centenas de jogadores ficaram sem um time para jogar. Se o calendário é curto, a fila dos desempregados é longa. Para não ficar para trás, já que todos têm uma vida e dependem de contas para pagar, é necessário fazer o que poderia parecer impensável no começo do sonho: encontar outro emprego e, se possível, conciliá-lo com a difícil realidade do futebol de menor investimento do Rio de Janeiro. Mas será que tanto esforço vale a pena?
 
O FutRio.net inicia a série de reportagens "Quando a Bola Pára de Rolar", trazendo um olhar sobre os protagonistas da complicada rotina de ser jogador de futebol nos times pequenos do Rio. Histórias de superação e dificuldade de muita gente que passou a vida inteira se dedicando somente à bola e que, a partir de algum momento da vida adulta, precisaram se especializar em algo completamente diferente para sobreviver, colocar comida na mesa, pagar a roupa e a escola dos filhos. Pais de família que suam mais para não fechar o mês no vermelho do que em 90 minutos debaixo do sol escaldante. Uma desmistificação do olhar superficial sobre o que é a vida de jogador de futebol no Brasil, onde menos de 1% ganha mais de R$ 50 mil mensais e mais de 82% sobrevivem com menos de R$ 1 mil por mês.
 
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Gabriel: correndo atrás de um sonho
 
Terça-feira, fim de tarde em uma praça na Taquara, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Na televisão, jogam Brasil e Colômbia, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Entre uma mordida e outra no cachorro-quente e um gole no guaraná natural, Gabriel Ferreira se derrete pelos ídolos. Admira o talento de Marcelo e Neymar, que considera terem uma "qualidade absurda". Eles todos têm em comum a mesma profissão, mas a realidade dos craques que vestem a camisa azul da Seleção é muito diferente. Gabriel não joga há três anos devido à falta de oportunidades. Sem rodagem recente, nem um DVD ele conseguiu montar. Mas ele nunca desistiu de seu sonho, mesmo com todas as dificuldades.
 
Formado como volante, apesar de já ter jogado em diversas posições, ele soma passagens por incontáveis equipes, entre testes e contratos. Botafogo, Vasco, Bonsucesso, Gama (DF), Paraná... No clube do Sul, foi companheiro de Jean, na época seu reserva. Após alguns anos, Gabriel rodou pelo país, voltou ao Rio, tentou espaço em times profissionais e não se firmou. Jean ganhou uma chance na Gralha Azul, cresceu, se profissionalizou, chamou a atenção do Corinthians (SP), que o comprou. Hoje, o meio-campista está no Vasco, onde é titular. E Gabriel ainda não estreou profissionalmente. Meio ingrato, esse futebol, mas ele não está disposto a largá-lo.
 
– Às vezes, o clube até me queria, mas não tinha dinheiro para fazer a profissionalização, pagar o salário, essas coisas. Nos tempos de hoje, essa é nossa realidade, a da maioria dos jogadores que atuam em times de menor investimento. Nosso calendário é muito curto e isso prejudica as contratações, os clubes não conseguem arcar com um contrato tão longo. A gente se prepara, eu treino bastante na academia, na praia, com personal trainer. O futebol é uma caixinha de surpresas, pode surgir um clube que possa me colocar novamente na vitrine. Estando pronto, tenho certeza que a chance vai aparecer e eu vou agarrá-la com unhas e dentes – diz o meio-campista, que mantém a forma em uma academia, também na Taquara.
 
Mesmo tão jovem, aos 23 anos, Gabriel já tem duas filhas. A primeira, Maria Clara, nasceu quando ele tinha apenas 18 anos. Testes em vários clubes e portas fechadas o fizeram enveredar por outros caminhos. Hoje, ele trabalha vendendo suplementos alimentares para pagar as contas e manter a vida com a atual esposa e a segunda menina, Laura. Por isso é que o cuidado com o corpo e a condição física são tão importantes: a linha entre uma oportunidade rentável e o ócio, o tudo e o nada, é tênue. Um detalhe pequeno pode separar uma situação da outra. E Gabriel considera fundamental estar pronto na eventualidade de uma porta se abrir:
 
– Eu tenho o apoio da minha família, estamos todos juntos nessa batalha. Espero poder contar com o futebol para dar uma vida digna às minhas filhas. Quero explodir no futebol, despontar e ter minha independência financeira para mim e minha família. Poder viver do futebol.
 
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Léo: vale tudo pelo Nova Cidade
 
Só é possível acreditar nos quase 30 anos de Leonardo Ramos ao olhar sua carteira de identidade. Com cara de menino, o grandalhão de 1,94m foi jogador profissional de futebol de relativa rodagem no futebol carioca de menor investimento. Jogou no Nilópolis, no Duquecaxiense, no Queimados. Mas hoje não é mais. E não é por falta de oportunidades, mas pela pouca rentabilidade do meio. Em 2017, Léo esteve no Nova Cidade e "se convidou", como ele mesmo define, para ajudar o clube alvirrubro. Amigo de longa data do técnico Carlos Alberto Sotelho, com quem trabalhou em outros clubes, ofereceu seus serviços e deixou um período sabático de quase quatro anos. A chance de voltar a jogar acabou barrada pela falta de dinheiro do clube em inscrevê-lo.
 
Leonardo, no entanto, não se fez de rogado. Se o clube e os companheiros queriam que ele jogasse, mas a falta de dinheiro impedia, o zagueirão não mediu esforços para estar junto dos companheiros e apoiar um grupo de mais de 20 jogadores. Fez praticamente de tudo para facilitar o trabalho de uma equipe que dependia, basicamente, de ajudas de custo durante a Série B2 do Campeonato Carioca. E a campanha do clube nilopolitano passou longe de ser ruim: a equipe bateu na trave na classificação para as semifinais dos dois turnos, ficando fora da briga pelo acesso para a Segundona nos últimos momentos. A decepção pela eliminação precoce foi grande, mas menor que o orgulho sentido por Léo ao ver que seu trabalho não foi totalmente em vão:
 
– Eu optei pelos estudos, fui na contramão. Preferi deixar meu sonho de lado para ter uma carreira consolidada, um projeto de vida e de família. Sei que o futebol não iria me dar isso. A gente sabe da dificuldade que existe, ninguém ganha salário. Tem muita gente boa que fica fora por causa de questão financeira. Mas eu gosto de estar nesse meio. No Nova Cidade, fiz de tudo: treinei como jogador, fui auxiliar-técnico, fotógrafo, treinador de zagueiro... E tenho um orgulho danado disso porque a nossa defesa foi a menos vazada do Campeonato Carioca da terceira divisão. Meu sonho foi realizado através deles. No futebol do Rio de Janeiro, é assim: um por todos e todos por um.
 
Precavido, Léo fez o curso superior de Educação Física e se formou. Encontrou um emprego como preparador físico e atualmente trabalha numa clínica de reabilitação, além de dar aulas no fim da tarde, na Vila Olímpica de São João de Meriti, onde mora. Mas isso não o impediu de trabalhar em muitas outras coisas ao longo da vida. Já carregou rolos de filmes quando trabalhava numa multinacional de cinema, foi segurança e, fluente no inglês, até conseguiu ser motorista bilíngue durante os Jogos Olímpicos do ano passado. Uma realidade de desdobramento, que ele também observou de perto no próprio Nova Cidade da atual temporada. Desgaste e correria que iam às raias da loucura, tudo para não abrir mão do desejo de brilhar com a bola no pé.
 
– No Nova Cidade, tinha de tudo: mototaxista, barman, peladeiro "profissional", que praticamente vivia de ganhar R$ 50 em jogo aqui, mais R$ numa partida 100 ali... Jogando pelada. Tinha jogador com situação difícil em casa mas que dava o máximo em campo. Eu mesmo ajudei muita gente, paguei passagem de jogador, levei tração, cone, estaca, peso, até uma bola que eu tinha em casa para o treino. Às vezes, só tinha ela para fazer um coletivo. Meus três ou quatro pares de chuteiras, deixei quase todos lá. Até pensei em cobrar, mas vi a dificuldade do pessoal, ninguém tinha condição. Eu não me sentiria bem tirando deles algo que poderiam estar colocando em casa. Hoje, 90% dos que jogaram a terceira divisão estão desempregados. Infelizmente, é assim – desabafa.
 
Para Leonardo, a realidade familiar é diferente da que se observa entre muitos companheiros do Nova Cidade: quase todos são pais de família. O experiente zagueiro William tem três filhas. O meia Rafael Malta, que ainda conseguiu posteriormente uma vaga no União de Marechal, da quarta divisão, ganhou uma menina no começo do ano e tinha que fechar seu orçamento como pedreiro. Léo ainda não tem filhos, mas está noivo. E diz ter sofrido pressão da amada, que não entendia o porquê de tanta devoção a uma vida que quase nunca dá retorno financeiro ou de exposição. Só a paixão pela bola e pelas quatro linhas é que mantém toda essa gente em busca do mesmo objetivo e dentro do mesmo ambiente. Não há outra explicação.
 
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Firu: negócio de família mantém a renda
 
Quando o Fiat Siena encosta na calçada ao lado do Estádio Nielsen Louzada, todo mundo já sabe que Rodrigo, o dono do mercadinho, chegou. De boné, camisa, bermuda e chinelo, um visual bem "boleiro", ele cumprimenta o pessoal na rua. Afinal, a conquista dos clientes e uma relação boa são fundamentais para o sucesso, como ele mesmo diz. Mas não é só a proximidade do campo do Mesquita a única semelhança com o futebol. Rodrigo é o Firu, volante do Nova Cidade, dono de 30 partidas profissionais pelo clube. Sua temporada terminou em agosto, quando o time foi eliminado da Terceirona do Carioca. Desde então, a dedicação ao comércio se tornou sua principal preocupação. E a fonte de renda que equilibra as contas no final do mês. Mas, quando a bola ainda estava rolando, era tudo ainda mais difícil.
 
Rodrigo herdou o mercado do pai, falecido há dois anos. Ele já trabalhava no estabelecimento desde os 15 anos de idade. Hoje com 31, já é experiente o suficiente para administrar, mas a rotina cansativa quase ia colocando tudo a perder. O dia começa cedo: às 4 da manhã, ele acorda e vai rumo ao CEASA, em Irajá, para realizar as compras para seu mercado. Nos últimos meses, a volta para Mesquita tinha que ser ainda nas primeiras horas da manhã para abastecer as prateleiras. Treino? Às 9h, no campo do Nova Cidade, em Nilópolis. Nem sempre dava tempo. Ele mesmo admite que chegava atrasado, mas contava com a compreensão do técnico Cal e do restante dos jogadores. Afinal, todo mundo ali estava no mesmo barco.
 
– O Cal sempre entendeu que todo mundo ali trabalhava, conseguia ser maleável com isso. Eu não tinha como chegar mais cedo. Esse ano foi bastante cansativo para mim. Antes, eu ainda tinha meu pai, que fazia isso para mim de manhã, mas tive que assumir tudo. Sempre treinei e trabalhei, desde os 15 anos, mas a coisa pesou mesmo quando comecei a administrar. Quando juntou isso com a rotina de treino, eu já chegava cansado. Eu só jogo porque realmente amo isso e não me vejo fora do futebol. Para conseguir o que a gente quer, tem que correr atrás. Mas não me arrependo de nada – diz Rodrigo, que está há quatro anos no Nova Cidade.
 
O volante, que também joga de meia e de zagueiro, diz que as dificuldades do dia a dia uniam bastante o grupo alvirrubro. Num mundo em que o dinheiro e as oportunidades de mostrar seu melhor potencial passam longe, só mesmo a perseverança e o trabalho duro poderiam deixar a coisa mais leve. Pelo menos no mercado, as coisas parecem estar prosperando mais. A matriz, ao lado do Louzadão, cresceu recentemente; ganhou um açougue e um hortifruti. E até um mercado novo foi inaugurado, há algumas semanas, perto da estação de trem de Mesquita. Entre cereais, verduras e frios, Rodrigo Firu se sente tão em casa quanto se estivesse num dia de treino ou de jogo no Joaquim de Almeida Flores.
 
– Infelizmente, os clubes da B1 e da B2, até alguns da A, não têm receita, nem muitos patrocinadores. Então, a gente não consegue depender só do futebol para viver. Quantas vezes vi, no Nova Cidade e em outros clubes, jogador que saía do treino e ia direto trabalhar. Ou que já vinha direto do trabalho de madrugada para treinar. Eu mesmo trabalhava o dia todo e chegava em casa de noite, tendo pouco tempo para dormir. Às vezes, chegava de tarde num dia mais vazio e cochilava por uma horinha. Minha esposa não gostava, dizia que eu não precisava disso, que era coisa de vagabundo, de quem não queria trabalhar. Hoje, ela aceita melhor. Mas teve que aceitar, né? (risos) – conclui.
 
Na próxima semana, o segundo episódio da série "Quando a Bola Pára de Rolar".
 
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