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Arsène Wenger: “Há momentos em que o treinador se sente muito sozinho”


Iagotta

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Arsène Wenger: “Há momentos em que o treinador se sente muito sozinho”
 

Arsène Wenger ficou. Decidiu renovar o seu contrato e estender a sua história como treinador do Arsenal. A incerteza sobre o assunto na reta final da temporada prejudicou a campanha do seu time na Premier League, tanto que os Gunners ficaram fora da Champions League pela primeira vez em 19 anos. O objetivo principal agora é voltar para este torneio, tão importante para gerar reputação e, principalmente, dinheiro.

Dinheiro. Cada vez mais importante no futebol europeu. Em ótima entrevista à France Football – trechos em francês aqui, mais trechos em inglês aqui -, Wenger explicou o que acontece com o resto do mercado quando um clube paga €200 milhões em um jogador e o quanto é difícil lançar jovens atletas nesse ambiente. “Há momentos em que o treinador se sente muito sozinho”, afirmou, em relação ao momento em que ele decide arriscar com um zagueiro de 20 anos em vez de outro mais experiente, de 28, mas menos talentoso.

Wenger também comentou o quanto fica triste em derrotas, as críticas que recebeu da torcida e a mudança no papel do treinador no século 21.

Cada derrota é um pesadelo

Uma das desvantagens de ficar em um clube por tanto tempo é que você carrega um grande sentimento de culpa quando perde um grande jogo. E quanto mais você fica em um clube, mais difícil se torna porque você sabe exatamente o quanto isso afeta as pessoas, o quão ruim será o fim de semana delas, talvez elas chorem. Quando você assina um contrato de dois anos, você não se importa tanto porque você não entende o quanto o clube significa para algumas pessoas. Mas, quanto mais passa o tempo, mais difícil é. A cada derrota, você se sente culpado.

Incertezas complicaram a última temporada do Arsenal

Talvez minha atitude tenha tido um impacto na nossa temporada porque chegou um momento em que os jogadores chegaram em mim e perguntaram: ‘o que está acontecendo, chefe?’. Com a minha indecisão, eu criei uma falta de clareza no vestiário. E não há nada pior do que quando os jogadores sentem que você não está totalmente comprometido. Então, em algum momento, eu disse a eles: ‘estou com vocês, rapazes, mas precisamos vencer jogos. O fato de eu não ter tomado a decisão de sair ou ficar criou incerteza. E quando você não vence, outros problemas aparecem.

Críticas da torcida

Houve muita divisão entre a torcida do Arsenal. Eles às vezes expressaram (a insatisfação) de maneira ridícula, como com um avião voando sobre o Emirates com uma mensagem hostil contra mim. Você sempre se faz perguntas. Sou a pessoa certa para continuar fazendo um bom trabalho? Quando encaro incerteza e tristeza, eu tento me concentrar no que realmente importa no futebol. Eu me faço perguntas, eu trabalho mais duro, eu tento seguir em frente, melhorar, mas não posso dizer que as críticas não me afetam. Todo mundo quer ser amado, amado pelos torcedores especialmente. Você tem que continuar lutando, concentrando-se novamente na sua motivação. Resistência ao estresse é uma qualidade importante no futebol moderno, não apenas para treinadores.

Sucessor

Não é meu trabalho nomear um sucessor. Ajudar alguém a se acomodar e se sentir em casa, sim. Mas é responsabilidade da diretoria escolher o próximo treinador do Arsenal. Eu gostaria que a pessoa que me sucedesse levasse o clube ao próximo patamar. Eu sinceramente espero que o clube consiga fazer isso. Quero apenas me tranquilizar que a pessoa que me suceda esteja em condições de trabalhar bem. Isso significa herdar um bom time, uma situação financeira saudável, uma equipe em que há jovens promissores. Este é meu desejo.

Dificuldades com a construção do Emirates

As pessoas não consideram o que aconteceu. Para mim, o ambiente mudou entre 2006 e 2015 porque tivemos restrições financeiras enquanto muito dinheiro foi injetado no futebol inglês. Tínhamos menos dinheiro, precisávamos vender nossos melhores jogadores  enquanto outros reforçavam seus times, algumas vezes com nossos jogadores. Mas nossas exigências continuaram as mesmas. Honestamente, eu nunca trabalhei tanto quanto naquele período de 2006 a 2015. Eu assinei por cinco anos porque os bancos exigiram isso quando construímos o estádio. A gente não tinha nenhuma garantia e eu cumpri meu contrato porque queria respeitar este desafio. Mas foi difícil. Estou orgulhoso de ter feito isso.

Futuro da profissão de treinador

A era de quando o treinador decidia tudo acabou. Nunca mais vamos ver esse tipo de treinador. Eu até acho que estamos indo na direção de um tipo de treinador que é totalmente diferente do que conhecemos. Hoje, eu lidero um time de aproximadamente 20 pessoas, e o papel do treinador no século 21 é saber como trabalhar bem com essa equipe e fazer essa equipe trabalhar bem com o seu time, os jogadores. Os jogadores desenvolveram um sexto sentido. Eles sentem, muito rapidamente, atritos no seu ambiente. O desafio, hoje em dia, é construir um time que é unido com a sua comissão técnica. Quando você está cercado de muitas pessoas, isso significa ouvir muitas opiniões diferentes. No nosso esporte, isso pode ser algo bom. Em algumas coisas, o rapaz do gramado do Emirates pode estar certo e eu posso estar errado. Talvez em 50 questões, eu estarei mais certo que ele, mas, em algumas, a opinião dele é mais válida que a minha.

Inflação do mercado

Quando você é treinador, tem que estar ciente do fato de que, quando dizemos que Neymar ganhará €30 milhões por ano depois dos impostos, você tem que explicar isso para os outros que estão ganhando cinco ou dez, sabendo que eles não vão necessariamente aceitar isso. O perigo, na minha visão, é que estamos tornando frágil o que eu amo sobre futebol, que é saber que se trata de um esporte de equipe. Hoje, o futebol se tornou um negócio de indivíduos, à imagem da nossa sociedade, que coloca tudo na noção de estrela, sucesso individual, e menos do que torna um time um time. Você pode perguntar se, hoje em dia, o Nottingham Forest poderia vencer a Copa da Europa, como em 1979 e 1980. A resposta é não.

O Tottenham teve uma temporada excelente, é um time jovem que está crescendo. Mas é muito difícil reforçar esse tipo de time. Pedem que contratemos jogadores. Mas quem? No atual mercado, você gasta €50 milhões em um jogador que eu considero “normal”. Você tem que vender, ingressos e camisas, para contratar um jogador de €50 milhões. Está ficando totalmente maluco. Se você paga mais de €200 milhões por Neymar, você tem que pagar €50 ou €100 milhões por um jogador que não é tão bom quanto ele. E isso nunca acaba.

Eles (o PSG) fizeram isso porque é bom para o país; porque o clube é uma bandeira da Copa do Mundo de 2022 no Catar. A noção de “gastar o que eu ganho” não funciona mais. Em termos de dinheiro, o raciocínio lógico fica de lado quando você quer contratar um ponta-esquerda, é o ego que assume o controle. É “o que isso vai comprar para nosso país em termos de promoção e publicidade?”. É por isso que eu digo que o mercado está ficando mais irracional.

Você conversa com um empresário, ele diz para você: “Meu jogador está ganhando €3 milhões. Mas, com todo o dinheiro, direitos de TV e quando vemos o que os outros estão ganhando agora, queremos €8 milhões”. E não podemos aumentar o salário de alguém em €5 milhões desse jeito. Nós simplesmente não temos a capacidade financeira de fazer isso. Isso não muda o raciocínio deles porque eles estão se baseando na presunção de que a inflação continuará. É um jogo perigoso. Você pode se ver preso. Se as fontes de receita secarem, por exemplo.

A promoção de jovens

É difícil hoje em dia. O que as pessoas querem, o que a imprensa quer, são as grandes estrelas, grandes nomes. A maioria das pessoas não liga se você der uma chance para um jovem. Quando você traz um grande nome por muito dinheiro, você está tranquilizando os torcedores. Um treinador precisa assumir suas responsabilidades. Se coloco um zagueiro de 20 anos, eu sei que isso vai me custar durante a temporada. Tenho que aceitar isso e assumir a responsabilidade. Se coloco um zagueiro de 20 anos – talvez menos talentoso –, vai me custar menos. No fim do dia, a decisão mais fácil é não usar jogadores jovens. Há momentos em que o treinador se sente muito sozinho. Quando você assume a responsabilidade pelas suas escolhas e coloca um jovem em campo porque ele merece. Isso é algo que você aprende com o trabalho de treinador: com exceção de alguns casos excepcionais, é apenas com 23, 24 anos que você realmente tem um jogador. Antes disso, um jogador de futebol jovem tem altos e baixos. E parece que ninguém consegue aceitar isso.
 

@Trivela

Muito bacana o que disse o menino Wenger. É sempre interessante ver o que o pessoal que vive no meio do futebol tem a dizer.

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  • Diretor Geral

Apesar de achar que "já deu o que tinha que dar" nos Gunners, é inegável que o cara conhece do riscado.

A resposta sobre o "futuro da profissão" acho que mostra bem a mudança enorme que os treinadores tiveram: de "entregadores de colete" (na melhor acepção da palavra) para "gerenciadores de pessoas e informações". Hoje em dia se não tiver uma boa eq. técnica e souber fazer o meio-campo entre ela e o elenco, você roda.

 

Ferguson por exemplo dava aula de gerenciamento de pessoas.

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4 horas atrás, Leho. disse:

Apesar de achar que "já deu o que tinha que dar" nos Gunners, é inegável que o cara conhece do riscado.

A resposta sobre o "futuro da profissão" acho que mostra bem a mudança enorme que os treinadores tiveram: de "entregadores de colete" (na melhor acepção da palavra) para "gerenciadores de pessoas e informações". Hoje em dia se não tiver uma boa eq. técnica e souber fazer o meio-campo entre ela e o elenco, você roda.

 

Ferguson por exemplo dava aula de gerenciamento de pessoas.

Olha que ainda tem muito entregador de colete reinando por aqui, hein?!

E o Ferguson é foda. A gente bota ele num patamar alto como treinador e tal, mas ainda acho que é pouco. Se a gente parar pra analisar, a gente vai lembrar que isso tudo aí foi ele quem começou. Ele surgiu como um manager quando isso ainda nem existia. Ele era um cara bem a frente de seu tempo. Dá até uma dor no coração ver gente falando que Guardiola é o melhor do mundo assim com tanta facilidade e esquecendo de caras como o Sir. Não que o Pep não seja absurdamente foda e tenha revolucionado o futebol, mas o Ferguson tá num patamar tão alto quanto e a galera parece que esquece disso muito facilmente (e aí entra aquilo que falei no início, de botarmos ele num patamar alto, mas ainda ser pouco).

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  • Diretor Geral
2 minutos atrás, Bigode. disse:

Olha que ainda tem muito entregador de colete reinando por aqui, hein?!

Pois é, mas aí é na pior acepção da palavra né? Hahahahaha. Estamos bastante atrasados nesse (e em outros) quesito.

Quanto ao Ferguson, acho que ele tem seu reconhecimento devido sim, não vejo o pessoal subvalorizando sua contribuição ao esporte não, pelo contrário. Acontece que ele foi pioneiro né, e ainda estamos em meio a essa transformação, assistindo a várias das ideias que ele já aplicava lá atrás sendo colocadas agora por outros treinadores, ou seja, lá na frente sua história será ainda mais valorizada, pode ter certeza.

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