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Por que o jornalismo esportivo perde quando alimenta teorias da conspiração


Bruno Caetano.

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Por que o jornalismo esportivo perde quando alimenta teorias da conspiração

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Por Felipe Lobo. Foto do post: Jorge Rodrigues/Trivela
 

No bar,  um erro de arbitragem liberta todas as teorias da conspiração escondidas nas profundezas do coração. Elas ganham força porque são confortáveis. Dizer “está tudo armado!” é uma forma de eximir o próprio clube. Não é o seu clube que perde – são as “forças ocultas” que o impedem de vencer todos os jogos em todos os campeonatos.

Em um campeonato tão longo e com tantos erros de arbitragem, como o Campeonato Brasileiro, este tipo de ideia encontra terreno fértil para nascer, crescer, se reproduzir – e nunca mais morrer. Mas isso é conversa de bar, ou deveria ser assim. É como reclamar que tudo de ruim acontece por causa dos políticos ou “puxa, São Pedro, por que o senhor não manda chuva nesse tempo seco?”. É uma conversa de elevador, coisas para puxar assunto na falta de um. É o famoso “você não está fazendo nada, eu não estou fazendo nada, vamos fazer nada juntos?”.

O nó é quando  programas de jornalismo esportivo colocam conspiração na pauta do dia. Eles dão legitimidade para a conversa de elevador. Ultimamente, vários colegas estão colocando esse assunto de uma forma oblíqua. Eles colocam a conversa de elevador na pauta, passam horas falando sobre isso e, no final… concordam que não, aquela conversa não tem nenhum sentido. É como chegar no almoço de família e falar “ei, será que o homem realmente foi à Lua?”. Aquele seu tio doido vai dizer que tudo não passa de conspiração dos americanos. Seu primo vai ficar alucinado, querendo saber de onde você tirou a informação de que o homem poderia não ter ido à Lua. Depois de 30 minutos, você chega e crava: “Mas é claro que o homem foi para a Lua! É bobagem acreditar nessas teorias da conspiração”.

Só que, a partir daquele instante, a conversa já foi colocada na mesa. O assunto passou a existir para a sua família – que, até aquele instante, só estava preocupada com a secura da massa da lasanha. Em jornalismo, o caminho é semelhante. A gente não entra na cabeça das pessoas e decide o que elas vão pensar. Mas nós temos responsabilidade. Nós convidamos as pessoas a falar sobre alguns assuntos. E, sim, temos de assumir a responsabilidade por isso (e, aqui na Trivela, a cobrança é dura, rapaziada).

A voz do povo 

Jornalismo não é conversa de bar. É apurar, ter evidências, chamar à discussão com base em algum dado real, em alguma ideia bem argumentada. O problema é que alguns programas esportivos começaram a vender entretenimento como se fosse jornalismo.  Para dar fundamento jornalístico à conversa de elevador, embasam a discussão na “voz das ruas”, “voz do povo” ou “boca do povo”.

Isso fica mais claro se mudarmos de editoria, do esporte para política, por exemplo. Imagine a situação. “A voz das ruas” fala em um esquema de desvio de verbas de merenda escolar em escolas municipais. Assunto quente, que certamente renderia muitos acessos aos sites que o noticiarem e audiência aos programas de TV que repercutirem o fato. Mas, para isso, será preciso mais do que atribuir a um mero “está na boca do povo”. Será preciso investigar, checar informações, descobrir se há mais do que um boato. É preciso encontrar fontes confiáveis que digam que isso de fato acontece, ou documentos, ou que haja uma investigação em curso do Ministério Público, da polícia, ou de órgãos que são responsáveis por investigar. Sem isso, vira só fofoca. E a fofoca enfraquece o fato. Afinal, se nada for provado, como é que fica quem chamou à discussão? A voz do povo é muito importante e precisa de respeito. Por isso que não basta discuti-la, mas comprová-la – ou negá-la. Esta é a função do jornalismo, afinal.

O torcedor inconformado – com razão – com os recorrentes erros de arbitragem deve, a essa altura, estar vociferando contra esse texto e dizendo que a imprensa não publica informações sobre isso. Bem, qualquer jornalista que tenha orgulho de sua profissão adoraria ter na mão as provas de que há manipulação de resultados no futebol brasileiro, do mesmo jeito que adoraria publicar os documentos que provam o desvio de dinheiro da merenda escolar na hipótese do parágrafo anterior. Isso traz prestígio, prêmios, promoções, aumentos de salários e propostas de outros veículos. Não à toa, os maiores escândalos de manipulação de resultados foram a público por meio da imprensa, com a Máfia da Loteria Esportiva (Placar), Caso Ivens Mendes (Globo) e Máfia do Apito (Veja). Ou, passando para a política, como o caso do Mensalão ou, mais recentemente o Lava-Jato.

Essas reportagens traziam provas, colhidas após muita investigação ou acesso a gravações de conversas comprometedoras. Não é o que ocorre quando Milton Neves coloca a discussão sobre “apito amigo” em pauta no Terceiro Tempo. Nesse momento, o apresentador legitima um discurso que é só visceral. É um grito de raiva por um erro, mas sem trazer uma apuração jornalística sobre o fato. Há evidências? Quantos erros aquele árbitro cometeu?

A ESPN, conhecida pelo seu jornalismo crítico e responsável, também escorregou ao colocar em discussão “o Corinthians estar na liderança apenas por causa do apito”. Quando o apresentador abre a terceira edição do Bate-Bola, da ESPN (após os jogos das 18h30), no domingo e pergunta aos debatedores, incluindo o comentarista de arbitragem Sálvio Espíndola, se eles acreditavam haver um esquema, o programa legitima uma teoria da conspiração. Uma pergunta retórica, porque evidentemente ninguém diria que há qualquer irregularidade sem provas. E este é o principal ponto da questão. Todos os comentaristas foram unânimes em dizer que não há esquema, mas por só trazer isso como um assunto relevante a ser discutido já alimenta o discurso de quem acredita que há algo de razoável nisso.

Essas discussões só agradam a extremistas. De um lado, há os que defendem a existência de um esquema “evidente”, que a mídia está tentando esconder (mesmo falando nisso todos os dias), acusando tudo e todos de esquema que favorece os times (quase sempre os times grandes de São Paulo e Rio de Janeiro que estão na ponta da tabela ou brigando contra o rebaixamento). De outro lado, também incita os “defensores” dos clubes favorecidos, que dizem que há uma “campanha” para acusar o seu clube, quando há erros “desde sempre”. O torcedor que quer discutir o futebol, que está no meio desses dois radicais, acaba sendo empurrado para um dos lados. Simplesmente porque os programas parecem cada vez atendê-lo menos. Como a discussão política, se empurra para que o leitor ou telespectador tome um dos lados da discussão.

Claro, comentar os erros de arbitragem é obrigação. Os apitadores estão errando de forma constante e alterando o resultado de jogos. Isso tem de ser analisado. Fingir que isso não ocorre também é um desserviço e fugir dos acontecimentos, como apontou Mauro Cezar Pereira, da própria ESPN, em seu blog1. Mas publicar algo além das constatações é perigoso demais (o Antero Greco2 e o Menon3 também falaram disso). Todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Se há suspeitas de corrupção na arbitragem, então é hora de colocar nossas equipes na rua para mapear influência e o tipo de moeda que compra essa influência. Há um árbitro, ou alguém ligado a árbitro ou comissões de arbitragem, que diga que foi orientado a agir em favor de um time ou de outro? Há alguma denúncia como houve no caso Edílson Pereira de Carvalho, em 2005?

Entender por que os programas fazem isso não é difícil. Polêmicas geram audiência, cliques, ouvintes, leitores. Praticamente todos os veículos vivem de audiência, seja ela na TV, no rádio ou em visitas ao site (como nós da Trivela). É isso que os sites vendem aos anunciantes, que pagam pela exposição gerada. Um modelo, aliás, que está em crise, com os anunciantes pagando cada vez menos para os veículos (um outro assunto que gera uma conversa grande, neste texto4). No final das contas, é bem simples: só tem tanta polêmica de arbitragem porque a gente dá atenção para elas.

É preciso que todos os veículos de imprensa façam essa reflexão.

PS: Não temos nada contra nenhuma das pessoas que citamos nesse texto. Admiramos o carisma e a capacidade de comunicação de Milton Neves, a coragem da ESPN, que faz um jornalismo crítico e que tenta ir fundo nas questões. Temos amigos em vários veículos de comunicação. Justamente por saber que eles são tão bons é que esperamos muito mais deles. Afinal, nós assistimos o que eles fazem – e queremos continuar assistindo.

- - - - -

Mais um excelente texto do Trivela.

Obs: Não consegui usar a ferramenta link. Todas os links do texto estão colocados abaixo:

1. http://espn.uol.com.br/post/536213_patrulhamento

2. http://esportes.estadao.com.br/blogs/antero-greco/conspiracao-no-ar/

3. http://blogdomenon.blogosfera.uol.com.br/2015/08/16/esquema-itaquera-funciona-e-timao-lidera-desonestidade-jornalistica/

4. http://projetodraft.com/a-reinvencao-do-jornalismo-spoiler-e-hora-de-abaixar-o-topete-mas-de-levantar-a-cabeca/

Fonte: http://trivela.uol.com.br/por-que-o-jornalismo-esportivo-perde-quando-alimenta-teorias-da-conspiracao/

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Caralho, baita texto mesmo. Lúcido e verdadeiro, o que é dificílimo de se ver na imprensa hoje (não só esportiva). 

E retrata também a mesmice que são os programas esportivos. Sempre batem na mesma tecla, é difícil ver algo de novo, uma pauta boa.

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O que deveria haver minimamente é um estudo rodada a rodada com os principais erros. Ver quem é o mais prejudicado e beneficiado, ver se tem relação com algum estado, com algum árbitro, com algum clube, com alguma atitude (ser a favor ou não da MP, por exemplo) etc. O problema que eles preferem jogar pro ar uma conspiração do que realmente transformar isso em algo concreto.

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Nós já tivemos um árbitro denunciado e que assumiu compra de arbitragem. Já tivemos árbitros apitando metade dos jogos de um mesmo clube na reta final do campeonato. Já tivemos STJD dando suspensão de jogos, negando efeito suspensivo e depois o jogador sendo absolvido. Já tivemos presidente da CBF se mandando para os EUA. Temos o ex-presidente da CBF preso e o atual voltando correndo da Suíça para o Brasil.

Alguém realmente põe a mão no fogo pela lisura do futebol brasileiro? Eu não.

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O mais engraçado é que em um país onde acontece corrupção por todos os lados, existem pessoas que ainda acham inconcebível a idéia de haver corrupção no futebol, que é um dos meios mais sujos no mundo.

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A questão apontada no texto não é SE houve algum tipo de manipulação, ou se há hoje no nosso futebol algum tipo de corrupção. O que foi apontado no texto é o fato de lançar notícias ou discussões sobre polêmicas desse nível sem nenhuma prova, puramente para gerar vizualizações e audiência. Isso deixa de ser jornalismo pra ser sensacionalismo, e o prejudicado é o espectador. A matéria não critica as arbitragens, e deixa claro que elas dão motivos pra conversa e polêmica. Critica é quando essas polêmicas passam do ponto do fato e da opinião para acusações sensacionalistas. Quem leu, entendeu.

 

PS: comentando sobre esse assunto vendo bate bola, e o Willian faz  fortes alusões a um suposto complô, sem absolutamente NENHUMA fonte. Chega ao ridículo dizer que roubou pra time x e favoreceu y. Existem sim erros e favorecimentos, mas erros não necessariamente indicam corrupção. Forçar esse assunto sem provas rebaixa um programa de discussões a conversas de bar.

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Nós já tivemos um árbitro denunciado e que assumiu um erro de arbitragem. Já tivemos árbitros apitando metade dos jogos de um mesmo clube na reta final do campeonato. Já tivemos STJD dando suspensão de jogos, negando efeito suspensivo e depois o jogador sendo absolvido. Já tivemos presidente da CBF se mandando para os EUA. Temos o ex-presidente da CBF preso e o atual voltando correndo da Suíça para o Brasil.

Alguém realmente põe a mão no fogo pela lisura do futebol brasileiro? Eu não.

O mais engraçado é que em um país onde acontece corrupção por todos os lados, existem pessoas que ainda acham inconcebível a idéia de haver corrupção no futebol, que é um dos meios mais sujos no mundo.

Exatamente os argumentos que dei pra meus amigos Corinthianos irritantemente chatos e fanáticos. Brasil ruindo com a Lava Jato, mas os árbitros são santos haha Tá serto memo.

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Porra, mas é mais fácil descobrir um esquema de corrupção do governo do que de juiz no Brasileirão? Se apertar e tiver algo mesmo nego vai entregar, igual foi com o Edilson Pereira de Carvalho em 2005. (esse fdp é da minha cidade ainda, tá falido e vivendo na casa da mãe kkkk) 

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  • Diretor Geral

O pior mesmo é ver a ESPN, que num passado recente foi a precursora de denúncias importantes contra a corrupção em contratos de arenas pra Copa e o esquema da CBV por exemplo, agora tendo esse tipo de assunto em pauta.

Completamente lamentável. Lúcio de Castro deve concordar comigo.

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Porra, mas é mais fácil descobrir um esquema de corrupção do governo do que de juiz no Brasileirão? Se apertar e tiver algo mesmo nego vai entregar, igual foi com o Edilson Pereira de Carvalho em 2005. (esse fdp é da minha cidade ainda, tá falido e vivendo na casa da mãe kkkk) 

A PF e os órgãos de investigação tem assuntos mais importantes para se preocupar.

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