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Nismo
Depois de um tempo longe do FM, resolvi voltar na nova versão. O clube escolhido é a L.R. Vicenza, que milita atualmente na Série C, terceira divisão italiana e que, faz um tempo, é uma das minhas ideias de save. Fundada inicialmente em 1902, a Vicenza carrega uma história de pioneirismos, figuras importantes, altos e baixos como poucos clubes na Itália.
O Vicenza é a equipe mais antiga da região do Vêneto, e seu maior rival é o Hellas Verona, com quem disputa o Derby do Vêneto. Manda seus jogos no estádio Romeo Menti, com capacidade para 13173 pessoas, e cujo nome homenageia o atacante formado no clube e que veio a falecer em 1949 na tragédia de Superga com todo o time da Torino.
É bastante difícil detalhar em poucos parágrafos toda a trajetória da Vicenza, visto que são diversas as passagens importantes. Até a década de 1940, os berici (um dos apelidos da equipe) eram um time acostumado a jogar os campeonatos regionais do Vêneto ou a Serie C, com algumas aparições rápidas na Coppa Italia e Series A e B, mas sem campanhas de destaque. A partir desta década, a Vicenza começa a se estabelecer entre as duas primeiras divisões italianas, com destaque para uma quinta colocação na Série A em 1947.
Uma mudança de nome e um “drible” para abrir portas
Nos anos 50 a estabilidade do final da década anterior se reforça, e, em 1953 vem uma mudança no clube que ficaria para a história também do futebol italiano: a empresa Lanerossi, do segmento têxtil, adquire o clube e altera o nome para Associazione Calcio Lanerossi Vicenza. Vale citar que os patrocínios nas camisas dos times do futebol italiano são liberados somente nos anos 80, e a atitude dos industriais transforma a Vicenza literalmente em um braço do grupo. O Vicenza colocou o nome da Lanerossi no “CNPJ”* e o logo (um R formado pelo entrelaçamento de um fio, normalmente em azul) no peito, um “drible” na legislação da época. A atitude pioneira abriu espaço para outras empresas e clubes seguirem pelo mesmo caminho, como Monza (Simmenthal-Monza) e Torino (Talmone Torino), além de outras parcerias que viriam a ter sucesso nas décadas seguintes como o Parma e a Parmalat.
*Durante os anos 80, na Alemanha houve uma tentativa semelhante envolvendo o Eintracht Braunschweig. A Jägermeister, fabricante da bebida alcoólica de mesmo nome, patrocinava o clube e propôs ao governo a mudança do nome para "FTSV Jägermeister" ou "Sportverein Jägermeister Braunschweig”, porém as abordagens foram rechaçadas.
A nova direção deu frutos a partir dos anos seguintes. O acesso em 1956 daria início a um período do Vicenza chamado Ventennio d’Oro, onde foram 20 anos seguidos na Serie A e campanhas no meio de tabela, além de apelidos como “La nobile provinciale” (A nobre provinciana) e “Provinciale di lusso” (provinciana de luxo). Nesta época começaram a aparecer os primeiros jogadores brasileiros no clube: Luis Vinicio, Américo Murolo e Chinesinho foram alguns dos brasileiros a vestirem a camisa do Vicenza nesse período.
O presidente, o técnico, o Carrasco, uma temporada de sonho e outra de pesadelo
O Ventennio duraria até os anos 70, onde em 1976 a equipe voltaria à Serie B. Mas seria uma passagem rápida, fulminante e com duas personalidades históricas: o técnico Giovanni Battista Fabbri e Paolo Rossi. “Gibi” Fabbri, o técnico, até aquele momento, tinha a carreira concentrada em times de base, especialmente na SPAL (onde lançou Fabio Capello). Já Paolo Rossi ainda não era o Rossi que nós conhecemos como “Carrasco do Sarrià” em 1982: o jogador era apenas um ponta na equipe de base da Juventus – que os bianconeri não tinham muitas esperanças, quando a Vicenza, através do presidente Giuseppe Farina*, apostou nos seus serviços. Na Vicenza, Fabbri viu em Rossi um centroavante com potencial e colocou-o para jogar nesse setor.
*Como vocês verão daqui a pouco, algumas decisões de Farina colocaram o Vicenza em perigo financeiro e esportivo. Mas não foi só o Vicenza que sofreu com “Giussy”, que antes já fora dono do Padova. Em 1982, após deixar os biancorossi, Farina comprou o Milan. Campanhas medianas e escolhas ruins de técnicos e jogadores que não emplacaram criaram um rombo nos cofres rossoneri, que só foi salvo graças à entrada de Silvio Berlusconi no clube. Em seguida, Farina foi indiciado pela justiça italiana por crimes financeiros e chegou a se esconder na África do Sul. Quando voltou à Itália, cumpriu a pena em regime semiaberto.
Esta decisão mudou a história de todos os envolvidos: o Vicenza foi campeão da Serie B em 1976-77, e Rossi foi o artilheiro da competição, com 21 gols marcados. No retorno à Serie A (77-78), a Vicenza flertou com o título. Com certas dificuldades no início da temporada, os berici foram se encaixando no decorrer dela e chegaram a emendar uma sequência invicta de 11 jogos. Mas não foi suficiente para brigar até o final: a Juventus levou a taça com 5 pontos de vantagem, e a Vicenza terminou como vice campeão – a melhor campanha de uma equipe do Veneto até 1985, quando o Hellas Verona venceu a Serie A. Paolo Rossi terminou como artilheiro do campeonato, com 24 gols, e Fabbri foi escolhido Treinador do Ano pela Federação Italiana. O desempenho de Paolo Rossi também o credenciou a disputar a Copa de 1978, na Argentina: levado por Enzo Bearzot, foi o artilheiro da Squadra Azzurra com 3 gols marcados (França, Hungria e Áustria).
Se a temporada do retorno foi um sonho, a seguinte era só o início de um pesadelo, e começou com um movimento do presidente Farina que se provaria catastrófico: tentando manter a estrela Paolo Rossi, que era em copropriedade com a Juventus*, o presidente Farina pagou 3 bilhões de liras (moeda italiana pré Euro), tornando Rossi o jogador mais caro do mundo naquele momento. Com todo esse gasto, que desencadeou vários problemas financeiros, outras áreas do time não foram reforçadas e a temporada 1978-79 reservou o rebaixamento ao final, com só 5 vitórias. Pra piorar, Rossi teria problemas com lesões após um confronto contra o Dukla Praga pela Copa da UEFA. Ao final da temporada, Fabbri deixou a direção técnica e Paolo Rossi foi cedido ao Perugia na Serie A, e depois retornou à Juventus.
*No sistema de copropriedade, que nesses moldes era exclusivo na Itália e figurou até a década passada, um clube comprava e detinha 50% do passe de um jogador de outro clube por determinado período, podendo comprar a outra parte, manter como está ou vender a sua para o mesmo clube ou qualquer outro. Ao final deste período, era decidido quem ficaria com o jogador da seguinte forma: os times mandavam envelopes para a FIGC com lances, e obviamente vencia e levava o jogador quem dava o maior valor.
A queda livre, o garoto, e o adeus da Lanerossi
O recomeço na Série B seria difícil diante das dívidas e com a Lanerossi cessando os apoios financeiros (o nome e o logo da empresa seguiriam até 1989 no clube, mas o apelido Lanerossi ficaria eternamente gravado na cultura pop local). A primeira temporada (79-80) ainda guardaria um 5º lugar, mas em 1981 veio a queda para a Série C. Foram algumas temporadas no terceiro escalão italiano, sempre com campanhas rondando a zona do acesso, até 1985, quando finalmente ocorreu o retorno à Serie B. Neste período, especificamente em 1982, apareceu outro personagem histórico: Roberto Baggio. Nascido na vizinha Caldogno, Baggio foi formado na própria Vicenza (inclusive visitava bastante o Romeo Menti) e defendeu o clube de 1982 à 1985, ajudando no acesso à Serie B. Em seguida, foi vendido à Fiorentina.
Sem Baggio, a Vicenza ainda fez uma temporada excelente de retorno à Serie B, terminando em 3º lugar em 1986 e teria voltado à Serie A não fosse o envolvimento de dirigentes – no caso o presidente Dario Maraschin e o diretor Giancarlo Salvi– no escândalo Totonero de 1986*, que teve como punição a retirada do acesso da Vicenza. Perder o acesso seria uma punição ainda maior na temporada seguinte, mas não nos tribunais e sim no campo: longe de manter o mesmo desempenho, a Vicenza voltaria à Serie C1, em 1987. Seria o começo de um período de 7 anos longe das principais divisões, com momentos em que chegou a ficar ameaçada de cair para a Série C2 (quarta divisão da época).
*O termo Totonero ficou famoso pelo escândalo de 1980, que condenou Milan, Lazio, Perugia, Bologna, Palermo, Taranto e Avellino e chegou a investigar Napoli, Juventus e Pescara. Nesse escândalo de 1980, Paolo Rossi – na época jogando no Perugia – foi suspenso por 3 anos, mas não cumpriu totalmente, tamanha a comoção para que fosse reintegrado à Azzurra e jogasse a Copa de 82. Como sabemos, Rossi foi readmitido, virou Carrasco do Sarrià e a Itália venceu a Copa... O Totonero de 1986 atingiu das Séries A à C e condenou Udinese, Cagliari, Lazio, Vicenza, Triestina, Palermo, Perugia, Cavese e Foggia. As investigações de 86 ainda envolveram Napoli, Bari, Empoli, Brescia, Sambenedettese, Monza, Reggiana, Carrarese, Salernitana e Pro Vercelli, estes clubes citados sem condenação.
Em 1989, a Lanerossi e a Vicenza finalmente separaram seus caminhos: a equipe alterou o nome para Vicenza Calcio, pela qual ficaria conhecida nas décadas seguintes, e o simpático R deixou a camisa listrada, voltando só em momentos especiais.
O retorno à Série A, o primeiro grande título, mais um pioneirismo, e uma campanha europeia memorável.
A nova fase da Vicenza levou certo tempo para engrenar, mas em 1993 a equipe voltou à Série B. A primeira temporada já seria bastante sólida com o 11º Lugar, mas na segunda (94-95) veio o acesso com a 3ª posição, sob o comando de um treinador que faria uma trajetória por clubes médios da Itália, com destaque para Udinese, Bologna e Palermo: Francesco Guidolin. No retorno à Serie A, um 9º lugar (95-96) e um 8º (96-97) antecederam a primeira grande conquista da Vicenza: a Coppa Italia de 1997, deixando pelo caminho Lucchese, Genoa, Milan, Bologna e, na grande final, o Napoli.
Na temporada seguinte (97-98) a equipe perdeu um pouco o embalo na Serie A e caiu nos dezesseis avos da Coppa Italia, mas na Recopa Européia a campanha foi muito longe: batendo Legia Varsóvia, Shakhtar Donetsk e Roda JC, a equipe caiu só nas semifinais para o futuro campeão Chelsea, de Gianluca Vialli, Gianfranco Zola e Gus Poyet. E o contato com os ingleses iria além do campo: na direção, o fundo britânico ENIC comprou as ações do clube e assumiu a gestão neste período. Hoje, a ENIC* controla apenas o Tottenham, mas chegou a ter, além do Vicenza, Rangers, AEK Atenas, Slavia Praga e Basel. É o primeiro caso na Itália de um clube comandado por investidores estrangeiros.
*Pode se dizer que a entrada e as aquisições da ENIC no mercado criaram o termo “Multi Club Ownership” (Multi propriedade de clubes, numa tradução bem meia boca) muito antes de qualquer Grupo City, 777 Partners ou Red Bull nascer. Porém, naquela época, o fato de Vicenza, Slavia e AEK chegarem às quartas de final da mesma competição serviu de alerta para a UEFA, que lançou uma resolução chamada “Integrity of the UEFA Club Competitions: Independence of Clubs”, proibindo a participação de mais de um clube do mesmo controlador. Essa resolução caiu por terra nos últimos anos, quando Milan e Toulouse, propriedades do mesmo fundo (o americano RedBird, que detém parte do Liverpool), bem como os times da Red Bull, foram liberados para participarem.
Ocaso, falência e renascimento... com olhar para o passado
Os bons momentos não perduraram por mais tempo: ao final da temporada 97-98, Guidolin deixou a Vicenza e na temporada seguinte mais um rebaixamento. A Vicenza venceu a Serie B em 2000, mas o retorno à Serie A duraria só uma temporada. A partir de 2001 a Vicenza se acostumou a oscilar entre as Séries B e C, sem grandes momentos, salvo um ou outro momento que chegou a brigar pelo acesso à Serie A. Em alguns momentos a Vicenza dependeu das circunstâncias alheias para se manter na Serie B, como o envolvimento de outros clubes em escândalos de manipulação de jogos ou falências (o que levava a FIGC a “repescar clubes” para completar os campeonatos).
A situação delicada durou até 2018, quando por problemas financeiros, a Vicenza é declarada falida em janeiro, porém tem o direito de terminar a temporada sob administração provisória. Em maio, Renzo Rosso, dono da grife Diesel, compra os direitos do clube*. Para restabelecer a Vicenza, Rosso transfere a estrutura societária do Bassano Virtus, da vizinha Bassano del Grappa, para Vicenza e renomeia o clube inicialmente para Lanerossi Vicenza Virtus, depois L.R. Vicenza. A referência ao passado do clube vem no escudo também, com o R da Lanerossi voltando a adornar a camisa da Vicenza, mas sem qualquer participação.
*Infelizmente na Itália é muito comum vermos falências e refundações de muitos clubes com trocas de nomes até a recuperação definitiva dos direitos (o Napoli foi refundado como Napoli Soccer em 2004 e a Fiorentina como Florentia Viola em 2002, para citar alguns exemplos), porém, apesar das trocas de nomes, a Vicenza se manteve com o mesmo “CNPJ” desde sua fundação até 2018, quando veio a falir.
O reinício da Vicenza, se não é meteórico como nos anos de Lanerossi, é seguro: o acesso à Série B veio em 2020. Ficou duas temporadas na divisão até o rebaixamento à Série C. Na série C vem lutando para voltar à Série B via playoffs e conseguiu o título da Coppa Italia Serie C em 2023. Quis o destino que a indústria têxtil desse o impulso inicial para o sucesso biancorossi lá nos anos 50 e agora vem da mesma indústria o impulso para reerguer o clube e devolvê-lo à elite italiana.
A lista de personagens históricos que passaram pela Vicenza é grande... Entre os técnicos estão Béla Guttmann (antes das famosas passagens por São Paulo e Benfica), Renzo Ulivieri e Francesco Guidolin. Entre os jogadores, além dos citados Paolo Rossi e Roberto Baggio, estão Luca Toni, Ferruccio Valcareggi, Nevio Scala, Azeglio Vicini, Massimo Ambrosini, Agostino Di Bartolomei, Christian Maggio, Jordan Lukaku... Alguns desses personagens viraram técnicos importantes.
O personagem do save é um jogador que passou muito longe dos anos dourados da Vicenza: Stefan Schwoch. Schwoch, descendente de poloneses, nasceu em 1969 na cidade de Bolzano, localizada na região do Südtirol, esta historicamente de maioria germânica.
Jogou como atacante e sua carreira, durante os anos 90 e 2000, se caracterizou por estar longe dos grandes clubes. Defendeu principalmente Livorno, Venezia, Napoli, Torino e Vicenza, que foi seu último clube e o mais duradouro, jogando de 2001 à 2008. Pela Vicenza, é o quarto maior artilheiro da história do clube, com 74 gols marcados, superando Paolo Rossi e Luis Vinicio.
Principais:
Voltar à Série B e Série A
Vencer a Coppa Italia
Vencer a Série A
Vencer as Copas Européias
Secundários
Ter o artilheiro da Serie A (como Paolo Rossi em 1977-78, 24 gols marcados)
Passar o Hellas Verona em vitórias no Derby do Veneto (36 x 35 para o Hellas)
Formar jogadores para a Azzurra (preferencialmente um com perfil semelhante à Roberto Baggio)
Vingar-se do Chelsea em competições Européias (5 vitórias em Fases de Grupos/Fase de Liga ou 3 eliminações em oitavas/quartas/semifinais ou 2 títulos sobre os Blues)
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