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O mar cinza da depressão que engoliu Robert Enke


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Robert Enke escolheu muito cedo uma forma ingrata de ganhar a vida. Desde menino quis ser goleiro e assim foi até o final. A aptidão para jogar com as mãos e fazer defesas para salvar o seu time fizeram dele um dos principais atletas da respeitável escola alemã de goleiros. Por grande parte de seus 32 anos, lutou contra um adversário invisível e silencioso: a depressão. E perdeu.

Enke surgiu para o futebol profissional, em 1995, com a camisa do Carl Zeiss Jena, sua cidade natal. Ao contrário da maioria dos meninos de seu bairro, não queria ser o novo Jürgen Klinsmann, nem o novo Rudi Völler ou sequer uma versão de Lothar Matthäus. Seu plano era ser um sucessor para Bodo Illgner, goleiro campeão mundial em 1990, na Itália. Chegou a jogar como atacante, mas se encontrou mesmo como o último homem dos onze, aquele que veste um par de luvas.

Robert faria o possível para salvar toda bola que chegasse à sua meta. No alto de seus 1.86m, o germânico se destacava pelo bom posicionamento debaixo das traves. O físico esguio também permitia reflexos apurados. Logo, muitos clubes grandes queriam aquele rapaz loiro vestindo a sua camisa número 1.

Todos os relatos sobre o lado pessoal de Robert apontam para a mesma direção: era um rapaz gentil, mas, fechado, não se entrosava muito com os colegas. Durante os treinos, se mantinha sério e não fazia parte de nenhum grupo em especial. Além disso, diferente da maioria de seus colegas, era culto, politizado e simpatizante de causas sociais. Engajou-se na luta contra o uso de peles animais na indústria da moda. Foi garoto-propaganda da PETA, por seu ativismo no resgate e na adoção de animais abandonados. Em sua fazenda em Empede, Baixa Saxônia, era cercado de vários cachorros.

Em público, nunca deu indícios de depressão. Aprendeu a mascarar os sintomas, mas sofria com a intensas cobranças internas e uma cruel autocrítica.

Do Carl Zeiss Jena, Robert foi para o Borussia M’gladbach. Demorou dois anos para ser promovido a titular, e nem seus esforços e defesas impressionantes puderam impedir que os Potros fossem destruídos pelos adversários e eventualmente rebaixados na temporada 1998-99.

Pânico em Lisboa

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Em entrevista ao jornal Observador, de Portugal, o jornalista Ronald Reng, amigo pessoal de Enke afirmou que o primeiro episódio mais preocupante na carreira do goleiro aconteceu em 1999, quando ele acertou com o Benfica, logo após a saída do M’gladbach.

“Quando foi para o Benfica teve um ataque de pânico. Cinco minutos depois de assinar o contrato queria fugir para longe. Voltou para a Alemanha e durante semanas não queria ir para Lisboa”.

Nos Encarnados, mostrou sua capacidade para se firmar entre os principais goleiros da Europa. Intimamente, Enke sofria com os ataques de pânico, que se repetiram por algumas vezes, agravados por problemas de adaptação. O Benfica trocava demais de técnico e o período com Jupp Heynckes no comando foi curto demais para que Robert se sentisse em casa.

Além disso, o clube lisboeta sofria com dificuldades financeiras e encarava um período sem títulos. Os atletas também eram um reflexo daqueles tempos, já que frequentemente tinham seus salários atrasados pela diretoria. Enke chegou a ser capitão benfiquista, nas mãos de Heynckes, e foi o primeiro goleiro da equipe após a aposentadoria de Michel Preud’homme.

Liberado pelo Benfica, foi para a Espanha defender o Barcelona. Sua passagem pelo time catalão foi um desastre. Estreou como titular no vexame histórico em que o Barça foi eliminado da Copa do Rei pelo Novelda, time da terceira divisão nacional. Culpado publicamente por Frank De Boer por falhar na partida, o alemão foi emprestado ao Fenerbahce e saiu pela porta dos fundos do Barça.

Fez apenas quatro aparições como atleta do Barça, brigando com Victor Valdés e Roberto Bonano. Por anos se culpou por não ter conseguido ser bem sucedido no Camp Nou. Aquele foi o primeiro grande golpe na sua já frágil confiança e determinou uma caminhada tortuosa pelo futebol. Longe dos olhos da espalhafatosa imprensa espanhola, procurou ajuda psiquiátrica para lidar com a realidade, que parecia pesada demais.    

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Transferido para o Fenerbahce, teve seu quadro agravado pela constante perseguição da torcida. Foi crucificado em sua única atuação pelo Fener, uma derrota por 3-0 em casa para o Istambulspor, pela liga turca. Ficou exatos 13 dias em Istambul até ser dispensado da equipe.

As coisas pareciam melhores na sua volta à Espanha, quando defendeu o Tenerife. Em 2004, surgiu a possibilidade de atuar novamente por um clube alemão, ideia que Enke aceitou imediatamente. A vida parecia finalmente ter entrado nos eixos e no Hannover viveu a sua melhor fase. Titular absoluto e incontestável, foi eleito como melhor goleiro da Bundesliga. em votação feita por atletas para a Revista Kicker em sua temporada inaugural.

Lara

Em 2004, um novo golpe abalou a perturbada mente de Enke. Sua filha Lara nasceu com uma doença cardíaca congênita, a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo, e em 18 meses foi submetida a três extensas cirurgias. Aos dois anos de idade, uma nova cirurgia, desta vez no ouvido, acabou sendo fatal. O organismo fragilizado da menina não resistiu a mais uma intervenção cirúrgica e ela morreu em novembro de 2006, no hospital de Hannover. Em maio de 2009, Robert e sua esposa Teresa adotaram uma outra criança, chamada Leila. Mas Enke nunca se recuperou da perda de Lara.

O arqueiro esteve no elenco que disputou a Eurocopa de 2008 (A Alemanha perdeu para a Espanha na decisão) e herdou o lugar de Jens Lehmann, como principal jogador da posição na seleção, nas eliminatórias para a Copa de 2010. A sorte parecia ter virado, mas Robert sofreu uma contusão na mão e ficou afastado por alguns meses, em outubro de 2008. Na sua volta, já em 2009, era o titular absoluto da equipe de Joachim Löw. Aos 31 anos, Enke estava no auge.

À sombra da depressão    

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Uma dúvida recorrente atormentava o alemão: seriam os pesadelos no Barça e no Fenerbahce um reflexo do que ele realmente merecia na carreira? Toda vez que estava perto de se consolidar, tinha de superar algum obstáculo. Seria natural que esses contratempos começassem a minar a sua vontade de viver. Mesmo com o reconhecimento no Hannover e o posto de camisa 1 da Alemanha, o mundo continuava cinza para Enke.

A depressão não escolhe hora nem lugar para disparar o gatilho e instalar-se na cabeça de alguém. O portal UOL publicou uma matéria abordando especificamente a depressão que acomete esportistas. A ansiedade, somada às fortes emoções proporcionadas pelo futebol, tem um forte efeito na mente de um atleta. Não são raros os casos de depressão que surgem por cobranças exageradas, lesões ou até mesmo a rotina como reserva.

Para agravar um pouco mais a coisa, somam-se a esta equação a superexposição na mídia, a invasão de privacidade e a hiperanálise de desempenho. A cada dia fica mais difícil se enquadrar nos padrões exigidos por clubes, imprensa e torcida, e os jogadores acabam desenvolvendo sérias complicações psicológicas.

Desde a morte da filha, Enke já estava em uma espiral negativa. No início de 2009, intercalava momentos de pouco brilho nos gramados e temporadas no departamento médico. Em setembro e outubro, o quadro se agravou e ele precisou se afastar do futebol. Para o público, a justificativa do Hannover foi que o capitão e camisa 1 do time estava sofrendo de uma infecção intestinal, mas a verdade era outra. No fundo do poço, em virtude da sua depressão, Enke não queria mais fazer nada. Por estar longe dos campos, não foi chamado pela seleção para um amistoso contra o Chile, em novembro de 2009.

O último ato    

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Mais uma vez, Enke tentou voltar. A última vez em que Robert entrou em campo foi no dia 8 de novembro, diante do Hamburgo, pelo campeonato alemão. O placar foi de 2-2. Três dias depois, na manhã do dia 11, entrou no carro e dirigiu até a estação de ferroviária de Neustadtam Rubenberge, próxima à sua fazenda.

Para a mulher Teresa, deixou um bilhete confessando como se sentia. Ninguém pode imaginar o que passou pela cabeça de Robert quando ele desceu do carro e caminhou para perto da linha férrea. Quando o trem se aproximou, Robert se jogou nos trilhos e foi atropelado. Morreu na hora. Chegava ao final uma história marcada pela tristeza, pela depressão e pelo medo do fracasso.

O ponto mais baixo de sua existência, a morte da pequena Lara, foi algo que Enke nunca conseguiu superar. A esposa confirmou que há muito a depressão era a terceira parte de seu casamento. Mais do que a esperança de uma nova criança ou o afeto da parceira, foi o luto a selar o destino do goleiro de 32 anos.

   Sem que ninguém percebesse, o inimigo silencioso avançava. Na cabeça de Robert Enke, não havia meio-termo. Ele fazia o melhor ao seu alcance ou se punia por ter deixado uma bola escapar. O amigo Ronald conta que, quando considerava ter jogado mal, o goleiro se trancava no quarto e se isolava ainda mais do convívio social. O isolamento, mais frequente nos tempos de Benfica e Barcelona, piorou depois da morte de Lara. Somada às lesões pontuais, enquanto tentava se firmar na seleção, a depressão do goleiro só piorava.

http://tfcorp.net/2015/11/09/o-mar-cinza-da-depressao-que-engoliu-robert-enke/ 

A história do Enke é uma das mais tristes do futebol. A forma como encerrou sua vida é tão trágica quanto as dificuldades que passou, principalmente fora de campo com a perda da filhinha. Impossível não associar o que passou com Enke ao caso de Ramiro "El Chocolatín" Castillo, que é considerado por muitos bolivianos o melhor jogador da história do país. 

De qualquer forma, a depressão ainda é o inimigo íntimo de milhões de pessoas por aí. 

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Muito triste, o cara passou por coisa pra caral###. Conviver com uma pessoa com depressão é muito tenso imagine passar por tudo isso.

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Esse cara é uma das coisas que me deixam mais triste no futebol. Nem gosto de lembrar. História muito foda e pesada que ele passou.

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